Visit our FacebookVisit our InstagramVisit our LinkedIn

SUA MELHOR FONTE DE INFORMAÇÃO

Blog Infinity Energias

Ter preços de energia calculados por modelos matemáticos faz sentido?

18 de maio de 2022
 por
Infinity Energias
Ter preços de energia calculados por modelos matemáticos faz sentido?

A configuração predominantemente hidráulica da matriz de geração elétrica brasileira traz consigo uma importante tomada de decisão sobre o custo de oportunidade do uso da água, ou seja, sobre sua utilização para a geração de energia agora ou seu armazenamento para o uso futuro. Essa decisão incorre no aumento ou na diminuição do preço da energia no curto prazo e do risco de déficit hídrico futuro. A Figura 1 mostra as possibilidades de operação e quais seriam as julgadas ótimas ou desfavoráveis:

Figura 1 - Dilema da operação de sistemas hidrotérmicos

Fonte: Autora

Uma operação com maior despacho hidrelétrico é mais barata do que aquela que necessita de um volume grande de térmicas. No entanto, o sistema não é somente composto por usinas hidráulicas e térmicas, usinas eólicas e solares também ganharam representatividade na matriz de geração, sendo assim, como conseguir programar a operação dessas usinas?

É importante destacar alguns pontos da geração de energia elétrica brasileira. As usinas geradoras e os centros de consumo estão conectados por linhas de transmissão que se estendem por todo o território nacional, de modo que a geração de um lado do país consegue atender à demanda do outro lado, e por isso é chamado de Sistema Interligado Nacional – SIN. O SIN é divido em quatro regiões, Sudeste/Centro-Oeste, Sul, Nordeste e Norte que agregam usinas e demanda conforme suas características semelhantes em climatologia de precipitação, consumo de energia e comportamento na geração de renováveis. A Figura 2 evidencia a composição majoritariamente hidrotérmica-eólica do sistema, com destaque para a energia solar e eólica que ganharam participação nos últimos anos. Em contrapartida, as usinas hidrelétricas que corresponderam no passado a cerca de 90% da geração de energia, hoje alcançam entre 50% e 70% do total, como é possível observar na Figura 3.

Figura 2 - Composição da matriz elétrica brasileira em Novembro/2021

Fonte: Autora com os dados do ONS [1]

Figura 3 - Evolução da participação das principais fontes na geração de energia

Fonte: Autora com os dados do ONS [1]

Pela dificuldade da obtenção de previsão de chuva sobretudo no longo prazo, já se pode imaginar a complexidade de se operar um sistema de grande porte como esse. Somado isso à falta de previsibilidade também da geração solar, eólica, dos preços dos combustíveis, da demanda de energia e da expansão do sistema (dado que o Brasil é um país economicamente instável com projetos civis recorrentemente atrasados) foi construída uma cadeia de modelos de otimização, com objetivo de determinar o despacho das usinas hidrelétricas e térmicas com base no dilema da água inicialmente tratado nesse texto.

Os modelos citados, foram elaborados com base na representação do SIN, chamados de NEWAVE, DECOMP e DESSEM e têm por objetivo calcular a operação mais barata e mais segura dentro do horizonte que lhe foi determinado. O NEWAVE contempla um horizonte de 5 anos discretizados mês a mês, o DECOMP de 2 meses e o DESSEM de 1 dia, de modo que a operação do modelo de menor horizonte é sempre guiada pelo planejamento já calculado pelo modelo de maior horizonte. Os três modelos determinam somente o despacho hidrotérmico. A geração de usinas não despachadas centralizadamente como fotovoltaicas, eólicas, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), e pequenas centrais térmicas (PCTs) tem suas gerações assumidas em uma metodologia pré-estabelecida com base na média mensal do histórico dos últimos cinco anos de geração. Esse valor é abatido da carga que foi declarada aos modelos NEWAVE e DECOMP, sendo que o restante é o volume de fato a ser atendido por hidrelétricas e térmicas. O modelo DESSEM também recebe um valor de potencial geração prevista e decide o quanto dessa disponibilidade é o ideal para ser aproveitada, e novamente, ele desconta esse montante da carga a ser atendida.

Como já foi dito anteriormente, não existe previsão de chuva acurada o suficiente para um horizonte temporal grande. Desta maneira, o modelo NEWAVE se utiliza de um recurso estocástico. Com base no histórico, simula cenários possíveis de afluência (2000 cenários) que geram diferentes políticas de operação e a partir disso calcula a operação ótima quanto ao uso da água. A metodologia que é utilizada para a resolução dessa problemática do modelo NEWAVE é a Programação Dinâmica Dual Estocástica (PDDE) [2][3][4], uma otimização recursiva para resolver problemas de múltiplos estágios relacionados baseada no Princípio da Otimalidade de Bellman, que diz que em uma sequência ótima de escolhas, cada subsequência também deverá ser ótima. Por sua vez, a parte “dual” é aquela que viabiliza computacionalmente que a solução ótima seja calculada, já que a utilização de um horizonte de 60 meses incorre em um tempo e esforço computacional muito elevados. Em contrapartida, o modelo DECOMP possui uma previsão mais assertiva de vazões que é consequência de uma melhor previsão de chuva feita na semana anterior à operação, e o DESSEM se utiliza dessa mesma previsão feita, porém com dois dias de defasagem em relação ao dia da operação a ser calculada.

De acordo com a previsão de vazão, previsão de demanda de energia, de expansão do sistema e limites e restrições físicos do sistema é possível calcular o despacho mais seguro das usinas hidrelétricas. A demanda restante será atendida por térmicas, e o custo da geração por MWh da térmica mais cara (utilizada) do sistema resultará no preço da energia. Ou seja, ainda que o sistema consiga atender a demanda do sistema estritamente com energia hidrelétrica, se essa decisão implicar em diminuir a segurança do sistema no futuro, haverá mesmo assim despacho de usinas térmicas no curto prazo da forma mais barata possível, pois os modelos são elaborados visando sempre a operação mais barata sem colocar em risco o sistema.

Exposta toda essa teoria referente à decisão quanto ao uso da água, planejamento energético e preço da energia, por que o sistema vem sendo tão ineficiente nestes pontos? Por que se chegou na iminência de uma crise hídrica em 2021? E por que os preços de energia se mantém tão altos apesar de existir um modelo matemático que tem por objetivo levar a operação ao seu menor custo? A resposta para essas perguntas pode ser dividida em 3 blocos:

  • Problemas com a expansão do setor: O racionamento de 2001 foi custoso para o país e deixou claro como o déficit de energia não pode ser uma opção. A carga sofreu redução de 20% no intervalo de um mês [1], e alcançou valores pré-racionamento somente em torno de 1 ano e 5 meses depois do acontecimento. Entre 1991 e 2000 o consumo de eletricidade cresceu 4,1% ao ano e a capacidade de produção de energia apenas 3,3% ao ano, da mesma forma que faltou transmissão o suficiente para poder aproveitar água em Itaipu que até então não tinha uma de suas linhas concluída [5]. Portanto, houve investimento em novas usinas e linhas de transmissão, mas que não foram suficientes para garantir que não houvesse mais temor de outro racionamento. Entre 2000 e 2012 a participação da fonte hídrica no sistema oscilava em torno de 80% a 90%, e esse valor decresceu até chegar em 70% no ano de 2014 por conta da falta de chuvas, consumo dos reservatórios e falta de diversidade na matriz elétrica o que levou a uma sobra energética entre a projeção de oferta e a carga nesse ano de somente 1712 MW [6]. A “solução” para o sistema na época foram os quase 5400 MW [1] frustrados na demanda por razões econômicas em relação ao que era esperado.

A Figura 4 mostra que a maior parte das obras de transmissão entre 2008 e 2021 sofreu atraso em seus cronogramas, assim como as últimas grandes hidrelétricas construídas, Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires [8].

Figura 4 - Situação das obras de transmissão em andamento por estado

Fonte: [7]

Em termos de modelagem do planejamento, uma expansão mais otimista que a verificada indica a possibilidade de maior uso dos recursos hídricos para a geração de energia, o que por sua vez leva ao uso dos reservatórios que, em caso de chuvas abaixo da média, não voltarão à sua condição anterior.

  • Características do modelo de planejamento: Como visto anteriormente, o modelo NEWAVE utiliza do histórico para gerar cenários de afluência com o objetivo de simular diferentes operações energéticas. No entanto, como suas projeções são feitas para 60 meses à frente, o comportamento das projeções acaba sendo tendencioso para a média no longo prazo. Na Figura 5 é possível notar que a curva de afluência anual para o subsistema sul resultante da média dos 2000 cenários que era projetada em janeiro dos anos de estudo, 2019 e 2020, possui comportamento muito semelhante à média e muito distinto do que de fato ocorreu ao longo do ano. Logo, é entendido pelo modelo, que existirá sempre uma condição hídrica razoavelmente favorável no futuro, o que atrapalha sua projeção de risco quanto a cenários escassez de chuvas.

Figura 5 - Comparação resultado NW janeiro, MLT e realizado no Sul

Fonte: [9]

Uma vez o modelo mais otimista quanto ao seu longo prazo, é natural que exista margem para o uso de água no curto prazo, portanto, quando a realização do longo prazo frustra a previsão e a afluência dos rios vem abaixo do esperado, é necessária adequada gestão dos recursos hídricos, aliada a uma resposta coerente do modelo em relação ao risco para que não se instaure uma crise. No período úmido 2013/2014 foi sinalizada uma possível crise energética. A falta de chuvas fez com que não houvesse deplecionamento dos principais reservatórios, o que por sua vez levou ao aumento significativo do acionamento térmico em cerca de 33% [1]. Porém, a falta de qualidade nas chuvas de um único período úmido não configura um período de seca, sendo mais factível que isso aconteça pontualmente por conta de fenômenos atmosféricos não favoráveis. A operação com base na certeza de que o período úmido sempre será favorável não é assertiva no que diz respeito a segurança do sistema, e a modelagem estocástica por ser sempre tendenciosa à média, cega o cálculo do planejamento comprometendo a segurança futura do sistema e corroborando para uma maior volatilidade dos preços (visto que o volume do despacho de térmicas pode variar muito entre um mês e outro). Existem modelos de aversão a risco dentro dos modelos de planejamento que tentam minimizar esse comportamento, no entanto, não se sobrepõem a essa sua característica inerente.

  • Problemas políticos e regulatórios: Sobretudo por seu histórico de corrupção política, regulamentações malfeitas e falta de composição técnica nos órgãos federais responsáveis por setores de infraestrutura, o Brasil não conseguiu até hoje executar o cronograma de obras do setor elétrico conforme o planejado. Um exemplo disso, é a projeção da capacidade instalada feita no Plano Decenal de Expansão da Energia elaborado em 2011 que previa 181,41 GW no sistema [10], enquanto o valor de fato alcançado nesse mesmo ano foi de 165,8 GW [1]. Não só, a desregulamentação econômica, complexidade das leis, composição dos impostos e as próprias crises políticas fazem com que não seja atrativo o investimento privado em infraestrutura e modernização do setor. A falta de posicionamento da própria agência reguladora – ANEEL- em exigir que haja isonomia de informações entre a operação e a modelagem também é muito prejudicial, como por exemplo, quando em 2006 a geração termelétrica a gás natural foi 42,8% menor que a programada no Sudeste/Centro-Oeste, sendo 85% desse montante devido a indisponibilidade de gás [11], ou em 2021 em que a usina de Termoceará teve seu CVU elevado de 432,78 para 1551,12 R$/MWh entre os meses de agosto e setembro, em plena crise hídrica, porque passou a ser abastecida com óleo diesel devido a uma manutenção em uma plataforma de abastecimento de gás [12].

Logo, é necessário rever as premissas do planejamento e possivelmente mudar sua essência, sobretudo nas simulações de afluência do modelo de longo prazo, preditor da operação dos demais modelos da cadeia, para que o valor da água no longo prazo tenha maior relevância. A gestão bem pensada e correta dos recursos hídricos deve ser a principal forma de evitar o risco de preços altos, de seca e de uma economia instável, e garantir, portanto, o atendimento à demanda.

[1] ONS. Operador Nacional do Sistema. Disponível em: www.ons.org.br

[2] BELLMAN, R. Dynamic Programming. Princeton University Press, Princeton, N.J 1962

[3] PEREIRA, M.V.; PINTO, L.M.V.G. Stochastic Optimization of a Mutireservoir Hydroelectric System: A Decomposition Approach. Water Resources Research, 23(6): 779-792.1985.

[4] BENDERS, J.F. Partionating Procedure for Solving Mixed Variables Programming Problems, 4:238-252.1962.

[5] SAUER, I.L; VIEIRA, J.P; KIRCHNER, C.A.R. O Racionamento de Energia Elétrica Decretado em 2001:Um Estudo sobre as Causas e as Responsabilidades. 2001.

[6] MME Plano Decenal de Expansão de Energia 2023, 2014 https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/Plano-Decenal-de-Expansao-de-Energia-2023

[7] ROSA, W.; FOLETTO, T.P.; OLIMPIO, R. Análise dos atrasos de obras de transmissão. Espaço Energia. 2018

[8] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2015/05/11/aneel-propoe-acordo-a-atraso-de-hidreletricas.ghtml

[9] LIMA, S.C.P. Mecanismos de aversão a risco em modelos de planejamento da operação do setor elétrico brasileiro. Instituto de Energia e Ambiente. Universidade de São Paulo. 2021. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106134/tde-04012022-180639/publico/SylviaLima.pdf

[10] MME Plano Decenal de Expansão de Energia 2021 p80 2013 https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/Plano-Decenal-de-Expansao-de-Energia-2021

[11] MOREIRA, T.; GUSMÃO, V.L.; REGRA, A. O Desafio do Gás Natural – O problema da Segurança do Abastecimento. N º 21, 2007 https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/movimentacao-estocagem-e-comercializacao-de-gas-natural/estudos-e-notas-tecnicas/estudos-publicados-em-eventos/insc-tt-desafio-gas-natural.pdf

[12] MEDEIROS, V. Por falta de gás natural para abastecer termelétricas, governo passa a fazer uso de óleo diesel em usina do país. https://clickpetroleoegas.com.br/por-falta-de-gas-natural-para-abastecer-termeletricas-governo-passa-a-fazer-uso-de-oleo-diesel-em-usinas-do-pais

Infinity Energias

Nós queremos saber sua opinião!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nosso conteúdo em primeira mão!

    Conteúdos Recentes


    Informações
    Av. Pres. Juscelino Kubistchek, 1726, 13º andar, Vl. Nova Conceição
    São Paulo - SP - CEP 04543-000
    (11) 2104-2500
    Institucional
    INFINITY ENERGIAS  © 2024 - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
    DESENVOLVIMENTO E PERFORMANCE PROSPECTA DIGITAL
    linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram